terça-feira, 24 de julho de 2012

TRABALHO

“Diz-se que a fadiga vem do excesso de trabalho. Consequentemente, a cura da fadiga é o descanso, quer dizer, não fazer nada. Mas a verdade é que mais frequentemente a fadiga é devida, não ao excesso de trabalho, mas à falta dele, ou melhor, à preguiça ou tédio. A fadiga não deveria ocorrer tão depressa ou tão facilmente se você soubesse como fazer o trabalho. Se estiver interessado no seu trabalho, você pode continuá-lo por muito tempo sem sentir fadiga. E, precisamente, um dos meios para se recuperar da fadiga, é não se sentar e cair em apatia e tamas (desmotivação e depressão), mas assumir um trabalho que desperte seu interesse. Trabalho feito com alegria e entusiasmo calmo é tônico. É descanso dinâmico. Trabalho feito sem interesse, como uma espécie de dever ou obrigação, naturalmente o cansará logo. Assim, o remédio para a fadiga é manter o interesse desperto. Mas há um outro mistério. O interesse não depende do trabalho: qualquer trabalho pode tornar-se interessante, até mesmo a um grau extremo. Não há trabalho que por si sí seja monótono, insipido e desinteressante. Tudo depende do valor que você lhe dá, e compete-lhe torná-lo tão atraente como um romance e tão significante quanto um símbolo.”

(…)

O homem geralmente escolhe seu trabalho ou é obrigado a escolhê-lo por uma preferência vital, um preconceito ou ideia de que seja a espécie de trabalho no qual possa brilhar ou ter sucesso. Esta vaidade egoísta ou este oportunismo podem ser necessários ou inevitáveis na vida comum. Mas quando se deseja ir além da vida comum e aspirar pela vida verdadeira, este apego e esta escolha pessoal tornam-se mais um impedimento do que um auxílio para progredir em direção ao caminho da vida verdadeira. A atitude yóguica em relação ao traba- lho é, pois, aquela de desapego absoluto, de não fazer nenhuma escolha, mas de aceitar e fazer qualquer coisa que lhe seja dada, qualquer coisa que lhe venha no curso normal de sua vida e de fazê-la com máxima perfeição possível. É desta maneira, e apenas assim, que todo trabalho se torna extremamente interessante e toda vida um milagre de deleite.”


 O Yoga de Sri Aurobindo, de Nolini Kanta Gupta – Partes VI, págs 56 e 57 (tradução de Thalysia de Matos Peixoto Kleinert)
http://dharmalog.com/2012/07/05/a-fadiga-que-nao-vem-do-excesso-sri-aurobindo-e-a-cura-da-fadiga-no-trabalho-moderno/

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Trilhas e rumos

Andando pelas matas do serrado, percebo que quando os passos perambulam suaves e firmes nem uma pedra machuca, nem um buraco derruba, nem uma canseira fadiga. A firmeza suave sabe onde colocar os pés e conhece os caminhos que são agradáveis para os passos. Mesmo quando o crepúsculo já anuncia a noite, a sombra de nosso corpo guia o caminho melhor que qualquer luz do sol.

Falar sobre isso pode ser um crime à beleza desses momentos, pode tirá-la, mas deixar de falar é um corte à grandiosidade que é compartilhar um sublime instante selvagem. Com toda a palavra é assim, um estrago pequeno ou monstruoso de um universo que só se toca com a alma e escuta com ouvidos de um lobo. No mato há diversos caminhos; bifurcam-se trilhas já exploradas e abertas, mais fáceis e seguras; outros lados levam a pequenos/grandes abismos imensamente belos. Já outros e outros se perdem em seus tortuosos cruzamentos.
Existe sempre um gosto curioso na boca durante uma andada adentro das matas mais fechadas e inexploradas. As trilhas têm algo em comum, muitas se cruzam em algum ponto, parecem chegar ao mesmo lugar de diversas maneiras, por água, por terra, por pedra; chegam a um lugar em comum.

Os peregrinos sempre dizem que enquanto o caminho leva à água ou para perto dela – fonte –, o alívio por estar bem orientando é certo! Bom, mas cactos também se encontram nos caminhos secos, onde a excentricidade de vidas florescem. Mas não há nada como um oásis no caminho do deserto. Descanso. O ‘chegar à água’ é bálsamo para todos. Indiscutivelmente todos se permitem às delícias das fontes cristalinas, mesmo quando geladas.

As pedras guardam segredos de tempos imemoriais e o calor do sol; elas aquecem o corpo, aquietam a mente e energizam a alma. E as folhas... Ah, as folhas! O verde, e o alento do ar entre ele: nada é tão profundo, sensível e misterioso como o poder das folhas – onde reside a alma de toda floresta.
Noite/dia se caminha em algum canto do mundo, busca-se alguma coisa, encontra-se, perde-se, descansa-se, para e continua a caminhar. Comtempla-se. Para onde vão todos os peregrinos? No fundo nem os mais focados, com objetivos certeiros como a flecha de um guerreiro/caçador sabem, porque as surpresas aparecem até para os mais bem orientados. Pisar firme é sobrevivência. Pisar suave é arte...

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Diz-secando ( O ato de contar histórias)

   
 Trabalhar com Arte-Terapia está longe de uma exigência artística rigorosa para qualquer ser humano.  Vincula-se muito mais ao modo lúdico de brincar com os elementos psíquicos que nos compõem, simbolizam e/ou produzem nossos mundos . As duas partes da série " histórias para boi dormir", sendo elas : O menino que não tinha sapatos e O trançado de vovó, tem por intuito mergulhar no  universo rico de elementos de determinado cliente,que atrelado aos anseios e tensões que perpassam sua vida , misturam-se, nesses casos suas afinações literárias. Gosto pela leitura. Instrumento este que faz sentido e mobiliza integração e ação a vida desse indivíduo específico, entoando outros cantos  a sua realidade.  

  Cada obra de arte produzida, além de resignificar algo na vida do cliente,faz parte de algum atributo ou atividade de  sua vida diária. Sendo a arte vista em seu aspecto mais  amplo, como a arte de lavar pratos, por exemplo.Não há uma interpretação/análise que disseque sua obra e sim  possíveis leituras que abrem seus caminhos,através da relação psicoterapêutica, apresentando outras possibilidades que  entre o estado hipnótico ao qual somos submetidos diariamente por nossas atividades rotineiras que se tornam automáticas com um certo tempo, provoquemos um corte que respeite nossos ritmos interiores.
                                                                           
  Podemos sustentar o ato de contar histórias através das lentes de diferentes suportes/abordagens. O  importante nesse espaço é apenas abordar a técnica Cantadora de história como uma possibilidade milenar , utilizada por nossos ancestrais e por muitas culturas populares que pincelam o conhecimento da alma, de maneira que a simplicidade forneça  ferramentas para outras formas de digerir e metabolizar a vida.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Metade ( cantada por Oswaldo Montenegro)

 
Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste, e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.
 

terça-feira, 3 de abril de 2012

O trançado de Vovó

 Lola era uma menina esperta, dos cabelos bem cheios, grandes e enrolados.Vivia correndo pra lá e pra cá pra cá e pra lá.Em um desses dias ensolarados, a menina inquietava-se porque não conseguia desembaraçar seus longos cabelos brilhantes, fios lindos e grandiosos como os que crescem nas crianças radiantes e saudáveis.Parecia que a natureza divinamente fresca se plantava em Lola. De longe , sua avó já olhava e sorria com aquele desembaraço de vó e via os quilos e quilos de cabelos que cobriam Lola até a cintura, com aqueelee velho e sereno olhar lacrimoso que só vó tinha e com um leve rubor rosáceo em suas maças flácidas, vovó disse: Minha fia, pare de correr um poquinho e venha sentar aqui na cadeira de balanço comigo, eu vou te mostrar como se faz uma trança... dessas de raiz que faço nos meus cabelos. A menina disse: Ah! vó não tô conseguindo nem desembaraçar os cabelos agora, imagine aprender essas tranças.Tenha paciência minha fia, sente aqui comigo.
  Oe, primeiro cê óia o espéio e dá um sorriso e vê como é que estão seus cabelos, se tá precisando de umas babosa pra fortalecer, se tá precisando cortar posque já tá muito pesado ou seco ... ocê dá aquela boa oiáda.Despois cê desembaraça os cabelos fio por fio, com cuidado oiando no espéio.Pó deixá que alguns fios caiam, Deus tá tirando uns fios pra seu cabelo crescer mais bonito.Despois segura bem os início dos cabelu, porque trança bonita mermu fica assim como as de raiz . O começo é o mais difícil da trança, ela que dá toda a forma e tem que tá bem firme, amarradinho em cima, mas não use muita força não, pra não machucar sua cabeça e quebrar seus cabelu tudo. Despois que a raiz tá mais firme e amarradinha,cê vai colocando outras mechas, misturando as parte dus cabelu de cima com as de baxu... tenha pressa não fia, se não vai ter que fazer tudo de novo. Não precisa todas as mexa ficar igualzinha não, mas tem que tá formosa e unidas, se nao fica toda tronxa o pobrezinho do trançado (Pausa de vó) Sem pressa! uma hora ce aprende a unir as mecha tudu.
  Quando ceê pega o jeito do início ela vai ganhanu velocidade até chegar no finalzinho em que o cabelo já tá mais pouquinho que vai afinando, mais o trançado fica bem mais bonito nessa parte mesmo com pouco cabelo, pela prática que ce vai ganhanu. Despois se vê no espelho como é que tá, se oce gostou ... aí bota um elástico pra prender e pronto fia! tá pronto o trançado de vó.Mas oe só use trança se for pra fazer com amor fia, se não ela fica feia.Lembre de soltar os cabelos antes de dormir, quem já se viu dormir de trança, né verdade? Outra coisa! quando cê for sair com sua bicicreta vá com os cabelos soltos pra que o vento balance eles, como o vento balança as fóia das árvores.E fiaa! as mão é que faz o trançado e não o trançado que faz as mão ( Sorriso de nega véia sabida).

O menino que não tinha sapatos




Ontem sonhei que escalava montanhas descalço, desassossegava-me sentir pessoas me puxando pra baixo quando conseguia subir mais um pouco... ficar descalço me incomodava também, sei lá... como se como bicho perambulasse pelas montanhas e ruas. Minha aparição era  sempre esquisita, causava riso nas pessoas , como se bizarro eu fosse e ninguém confiasse a partilha de minha companhia. Era algo descrente pra todos , até pra mim(...) Em um armazém eu vi um par de havaianas , diferentes, acho que não lançaram ainda um modelo assim nas lojas e achei que esse modelo serviria no meu pé, era o tamanho certo!  e brilhava aos meus olhos. Ainda sentia pessoas cochichando por perto ao me ver sujo e com os pés descalços ali , parecendo um mendigo que não pedia nada , nem tinha voz , só um olhar fundo... ora opaco, ora brilhante, como a estética que via na fotografia dos meus pés. Quando prestei atenção aos meus pés sujos e pequenos, vi a formação perfeita de um leque entre os dedos, sim era o leque dos meus passos em tantas e tamanhas estradas de terra, lama e asfalto. Estava marcado pelos caminhos vários, com arranhões e cicatrizes ...cascudo como o quê . Um leque lindo do dedão ao dedo mindinho, até a beleza que sentia  ao vê-lo parecia bizarra.Nesse momento vislumbrei um sapato com um leque florido com pedras em ágatas vermelhas, era meio estranho , não era um sapato fechado, era aberto como um leque , mas podia fechar-se quando eu quizesse , talvez só eu achasse bonito aquele sapato , talvez continuasse sozinho no meu caminho, mas aquele sapato não era uma havaiana qualquer , eu o tinha feito com meus olhos e minhas mãos e isso era tudo que eu tinha, além de pés sujos , roupas em farrapos e os perversos psíquicos de mim mesmo que gargalhavam nas minhas costas.
                                                                                              

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Apresentação

 Este blog tem o intuito de divulgar o trabalho de alguns  entrecruzamentos clínicos e experimentais que garimpam minha experiência na área da Psicologia. A ferramenta principal dessa comunicação  tem por sustentação  a Arte-terapia,  modalidade terapêutica que utiliza recursos artísticos com o objetivo de possibilitar o indivíduo entrar em contato com seus conteúdos internos, expressando-os.
 A materialização do mundo interno/externo por meio da arte possibilita a comunicação do mundo psíquico do cliente e cabe ao terapeuta estimular  a navegação profunda em sua obra. Cria-ativa-mente, através da proposta de um  blog, tenta fecundar a produção de "crias" que reverberem em  outros possíveis sentidos e possibilidades ao cotidiano das pessoas, sendo esta  uma maneira de provocar seus anseios por transformação, chamando-os ao trabalho psicoterápico que se dá  na relação terapêutica, por vezes  cruciais em muitos momentos de nossas vidas.